segunda-feira, 28 de janeiro de 2008


Lavoura Arcaica


Lavoura Arcaica é sobretudo uma experiência sensorial. Diante da tarefa hercúlea de adaptar o inadaptável, Luiz Fernando Carvalho não se curvou aos desafios, tentando simplificar a linguagem complexa da obra de Raduan Nassar. Em vez disso, Carvalho dispôs-se a abraçá-los, criando assim, um filme que punge diante dos olhos, ouvidos e (por que não?) da pele, olfato e paladar do espectador.

Como a própria sinopse trata de expor, Lavoura Arcaica é uma versão ao avesso da parábola do filho pródigo. André, sufocado pela rigidez do pai, foge de casa e instala-se num quarto de pensão. Pedro, seu irmão mais velho, recebe da mãe a tarefa de trazê-lo de volta. A partir daí a história começa a ser narrada através de fluxos de consciência (flashback seria uma forma simplória demais para descrever o modo como Carvalho desenvolve a narrativa) do protagonista. Porém, mais do que a simples fuga do autoritarismo paterno, André tenta fugir de sua própria vida, do destino que lhe privou do amor de sua irmã e que o sufoca cada vez mais. Não é à toa que vemos regularmente o menino André e, posteriormente, o rapaz André enfiando os pés na terra a fim de encontrar ali refúgio daquele ambiente conservador que o rodeia. O interior vira exterior e vice-e-versa.
Aqui, as palavras parecem ter vida própria, saltam da boca das personagens direto para chocar ou reprimir. Assim como no livro, elas pulsam e, por vezes, abrem chagas incapazes de cicatrizarem-se, como na antológica cena da discussão de André com o pai ou naquela onde, após consumar o incesto, ele faz um discurso forte diante de sua irmã, Ana. Mas Carvalho não se torna refém das palavras, muito pelo contrário, o diretor usa a imagem como elemento fundamental desta narrativa e o faz de forma tão brilhante que, não raramente, dispensa as palavras; como na cena inicial onde vemos André semi nu entre gemidos de dor e prazer e, ao fundo, um barulho de trem. Não precisamos de palavras para deduzi que ele é um indivíduo em fuga e com conflitos sexuais; ou a cena em que a mãe o acorda com carícias que transbordam a tela num jorro de luz, as palavras são desnecessárias, as imagens falam por si.
Dessa forma, não foi à toa que afirmei que este filme é uma experiência sensorial, cada elemento seu assume vida própria e, juntos, combinam-se para formar um filme contundente e radical. A fotografia excepcional de Walter Carvalho flui de modo hipnotizante, mergulhando o espectador não apenas no clima da cena, mas principalmente na psique das personagens. Por vezes, a vista fica embaçada diante da luz pungente de uma cena e logo em seguida as pupilas se dilatam no quadro iluminado apenas por uma lamparina. A trilha sonora que utiliza suspiros e gemidos das personagens ou ruídos dos ambientes potencializa de forma perfeita as soberbas atuações de todo o elenco; do comovente desempenho de Juliana Carneiro da Cunha, passando pela atuação áspera de Raul Cortez, a rebeldia naturalista do André de Selton Mello à arrebatadora performance de Simone Spoladore.
Uma das grandes revelações do filme, Simone, mesmo sem dizer uma palavra durante toda a projeção, é um dos pontos altos do longa; uma atriz que interpreta com os olhos, com o corpo, é impossível ficar imune a sua presença em cena. Spoladore é uma força da natureza, e a cena final em que ela dança numa festa é impressionante.
Um filme tão forte só poderia contar com uma direção idem. Luiz Fernando Carvalho conduz a narrativa de maneira primorosa; seus enquadramentos transportam-nos para dentro do filme. Quando André cheira as peças íntimas das suas irmãs, é como se nós sentíssemos o mesmo aroma que ele; quando enfia os pés na terra, podemos sentir a areia úmida e fofa penetrar entre nossos dedos, quando ele e Ana se amam na casa abandonada, somos capazes de sentir o toque aveludado da pele da irmã. Mas ao contrário do que muitos afirmam isso não é simples preciosismo. Nenhuma imagem é bela em sua essência sem que se encaixe como peça fundamental do enredo. E se retirássemos esse dito preciosismo do filme seria o mesmo que tirar as asas de um pássaro.
Sinceramente, não sei se é exagero afirmar que Lavoura Arcaica é o melhor filme brasileiro de todos os tempos, até porque palavras são insuficientes e precárias para descrevê-lo. Mas não custa nada repetir que este filme é uma obra-prima do cinema nacional e mundial.



Avaliação final: ***** (5 estrelas numa escala de 5)

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008


Heath Ledger

Qual a única coisa capaz de ofuscar o brilho do anúncio dos indicados ao Oscar? Muitos imaginaram que fosse a greve dos roteiristas, mas parece que o destino pregou uma peça em todos e nos deixou atônitos. A morte prematura de uma estrela ascendente.
28 anos, bonito, talentoso e rico. Parece o perfil perfeito de uma estrela de Hollywood, que ganha milhões estampando sua imagem em blockbusters à toa. Mas Ledger fugia disso, parecia ser uma gota d'água no imenso oceano de futilidade de Hollywood. Era um ator instintivo, que interpretava com a alma, nos fazia viajar pelos conflitos e pela personalidade de suas personagens.

O auge veio com O Segredo de Brokeback Mountain, onde ele conseguiu a proeza de nos deixar na dúvida, afinal, Ennis Del Mar não parecia ser homossexual, ele se apaixonou pela pessoa Jack Twist, não pelo homem Jack Twist. O papel lhe rendeu uma indicação ao Oscar, que Ledger não ganhou. Mas a estatueta do careca dourado parecia só uma questão de tempo, com todo aquele talento e sabedoria para escolher os papéis, alguém duvidava que mais cedo ou mais tarde ele ganharia um Oscar?

Na última semana fui à uma sessão de Eu Sou a Lenda e para minha surpresa e satisfação me deparei com o trailer do novo filme do Batman, O Cavaleiro das Trevas. "Nossa! O que é isso?", eu ficava pensando ao ver Ledger na tela. Mas do que um simples vilão, o seu Coringa fez todo mundo ali esquecer da performance de Jack Nicholson no filme de Tim Burton; mais, fez todo mundo esquecer que o trailer era de um filme do Batman. A impressão que tínhamos era a de que o filme na verdade era do Coringa, e pela atuação de Ledger, não duvido muito que o seja. Que descanse em paz!