sexta-feira, 25 de julho de 2008


Céu nublado

O tempo hoje em Corumbá: céu nublado, uma leve brisa fria. O que para alguns é horrível, eu adoro. Para mim, quanto menos o sol aparecer, melhor.
É bem estranha essa minha predileção por aquilo que a maioria das pessoas acha que é sinal de melancolia, tristeza ou simplesmente feiúra. Alguns só gostam de chuva durante à noite, no momento em que estão em suas camas, eu gosto de chuva durante todo o dia. Praia com chuva é uma das coisas mais fodas do mundo; mar com ressaca me faz sentir tão insignificante diante da natureza que é impossível eu não ficar fascinado olhando aquelas ondas que parecem tragar tudo o que aparecer pela frente.
Já me disseram que essa identificação com o tempo fechado seria fruto de uma adolescência isolada, reclusa, que beirou a depressão. Talvez tenham razão. Curiosamente, quando criança eu costumava ser uma espécie de chato predileto da família. A criança esperta que adorava chamar a atenção apagando a vela do bolo de aniversário dos outros, jogando uma tesoura na testa de outra, fazendo competição para ver quem ficaria mais tempo com uma pedra de gelo nas costas...
Com a chegada da adolescência, aquela criança endiabrada simplesmente morreu, não sei exatamente em qual momento da minha vida foi o enterro, mas ao ver vídeos da infância só sei que eu era o tipo de criança que eu abomino hoje em dia, se bem que abomino a maior parte das crianças. A criança esperta que adorava chamar a atenção deu lugar a um adolescente recluso, muitas vezes chato, anti-social e com aclofobia, que chegou ao cúmulo quando estudei cada série do Ensino Médio numa escola diferente e as pessoas tinham que vir falar comigo nas primeiras semanas, pois eu simplesmente não conseguia iniciar uma conversa, trivial que seja, com alguém que não conhecesse.
Pode estar aí a raiz da minha fascinação por ambientes e estado de tempo lúgubres, pois estes são um convite ao isolamento; afinal de contas, quem vai à praia quando está chovendo? Quem prefere um céu noturno rubro a um estrelado? Eu prefiro, talvez vocês não. Mas, convenhamos, não tem como dizer que a paisagem que ilustra esse post não é linda.

sexta-feira, 11 de julho de 2008


Mamonas Assassinas


Eu tinha cinco anos na época do acidente dos Mamonas Assassinas e me lembro exatamente de cada coisa que aconteceu naquele dia. Era aniversário de um tio, a festa foi num sítio, ninguém viu televisão naquela manhã, na hora do almoço uma pessoa comentou sobre um acidente de avião que teria matado os Mamonas Assassinas, diante do absurdo daquilo tudo, ninguém acreditou. Voltamos para casa e liguei a televisão, estavam falando sobre o acidente, foi aí que caiu a ficha, todos desabaram, até meu pai, que achava "tudo aquilo uma grande porcaria", estava chocado. Todos chorando, incrédulos. A carreira dos Mamonas acabou do mesmo jeito que tinha se iniciado, de forma meteórica. Como toda criança na época, adorava os Mamonas, e talvez para mim e para o meu irmão, que tinha sete anos na época, o baque tenha sido maior, afinal de contas eles foram os primeiros ídolos da nossa infância.
Ontem, vendo o especial Por Toda a Minha Vida da Globo, isso tudo veio à tona. A tragédia quase anunciada de uma banda que vendeu 50.000 discos por dia e acabou no auge do auge. Ouvindo umas músicas ontem acho, não, tenho certeza, se os Mamonas Assassinas fossem lançados esse ano eu não suportaria ouvir aquilo, mas também não consigo não gostar. Inevitavelmente a visão deles está atrelada à morte prematura de cinco simpáticos rapazes que escrachavam tudo e a todos, e o choque que isso causou em mim aos cinco anos, e hoje, é muito maior do que a simples simpatia ou antipatia ao tipo de música que eles tocavam.



segunda-feira, 28 de janeiro de 2008


Lavoura Arcaica


Lavoura Arcaica é sobretudo uma experiência sensorial. Diante da tarefa hercúlea de adaptar o inadaptável, Luiz Fernando Carvalho não se curvou aos desafios, tentando simplificar a linguagem complexa da obra de Raduan Nassar. Em vez disso, Carvalho dispôs-se a abraçá-los, criando assim, um filme que punge diante dos olhos, ouvidos e (por que não?) da pele, olfato e paladar do espectador.

Como a própria sinopse trata de expor, Lavoura Arcaica é uma versão ao avesso da parábola do filho pródigo. André, sufocado pela rigidez do pai, foge de casa e instala-se num quarto de pensão. Pedro, seu irmão mais velho, recebe da mãe a tarefa de trazê-lo de volta. A partir daí a história começa a ser narrada através de fluxos de consciência (flashback seria uma forma simplória demais para descrever o modo como Carvalho desenvolve a narrativa) do protagonista. Porém, mais do que a simples fuga do autoritarismo paterno, André tenta fugir de sua própria vida, do destino que lhe privou do amor de sua irmã e que o sufoca cada vez mais. Não é à toa que vemos regularmente o menino André e, posteriormente, o rapaz André enfiando os pés na terra a fim de encontrar ali refúgio daquele ambiente conservador que o rodeia. O interior vira exterior e vice-e-versa.
Aqui, as palavras parecem ter vida própria, saltam da boca das personagens direto para chocar ou reprimir. Assim como no livro, elas pulsam e, por vezes, abrem chagas incapazes de cicatrizarem-se, como na antológica cena da discussão de André com o pai ou naquela onde, após consumar o incesto, ele faz um discurso forte diante de sua irmã, Ana. Mas Carvalho não se torna refém das palavras, muito pelo contrário, o diretor usa a imagem como elemento fundamental desta narrativa e o faz de forma tão brilhante que, não raramente, dispensa as palavras; como na cena inicial onde vemos André semi nu entre gemidos de dor e prazer e, ao fundo, um barulho de trem. Não precisamos de palavras para deduzi que ele é um indivíduo em fuga e com conflitos sexuais; ou a cena em que a mãe o acorda com carícias que transbordam a tela num jorro de luz, as palavras são desnecessárias, as imagens falam por si.
Dessa forma, não foi à toa que afirmei que este filme é uma experiência sensorial, cada elemento seu assume vida própria e, juntos, combinam-se para formar um filme contundente e radical. A fotografia excepcional de Walter Carvalho flui de modo hipnotizante, mergulhando o espectador não apenas no clima da cena, mas principalmente na psique das personagens. Por vezes, a vista fica embaçada diante da luz pungente de uma cena e logo em seguida as pupilas se dilatam no quadro iluminado apenas por uma lamparina. A trilha sonora que utiliza suspiros e gemidos das personagens ou ruídos dos ambientes potencializa de forma perfeita as soberbas atuações de todo o elenco; do comovente desempenho de Juliana Carneiro da Cunha, passando pela atuação áspera de Raul Cortez, a rebeldia naturalista do André de Selton Mello à arrebatadora performance de Simone Spoladore.
Uma das grandes revelações do filme, Simone, mesmo sem dizer uma palavra durante toda a projeção, é um dos pontos altos do longa; uma atriz que interpreta com os olhos, com o corpo, é impossível ficar imune a sua presença em cena. Spoladore é uma força da natureza, e a cena final em que ela dança numa festa é impressionante.
Um filme tão forte só poderia contar com uma direção idem. Luiz Fernando Carvalho conduz a narrativa de maneira primorosa; seus enquadramentos transportam-nos para dentro do filme. Quando André cheira as peças íntimas das suas irmãs, é como se nós sentíssemos o mesmo aroma que ele; quando enfia os pés na terra, podemos sentir a areia úmida e fofa penetrar entre nossos dedos, quando ele e Ana se amam na casa abandonada, somos capazes de sentir o toque aveludado da pele da irmã. Mas ao contrário do que muitos afirmam isso não é simples preciosismo. Nenhuma imagem é bela em sua essência sem que se encaixe como peça fundamental do enredo. E se retirássemos esse dito preciosismo do filme seria o mesmo que tirar as asas de um pássaro.
Sinceramente, não sei se é exagero afirmar que Lavoura Arcaica é o melhor filme brasileiro de todos os tempos, até porque palavras são insuficientes e precárias para descrevê-lo. Mas não custa nada repetir que este filme é uma obra-prima do cinema nacional e mundial.



Avaliação final: ***** (5 estrelas numa escala de 5)

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008


Heath Ledger

Qual a única coisa capaz de ofuscar o brilho do anúncio dos indicados ao Oscar? Muitos imaginaram que fosse a greve dos roteiristas, mas parece que o destino pregou uma peça em todos e nos deixou atônitos. A morte prematura de uma estrela ascendente.
28 anos, bonito, talentoso e rico. Parece o perfil perfeito de uma estrela de Hollywood, que ganha milhões estampando sua imagem em blockbusters à toa. Mas Ledger fugia disso, parecia ser uma gota d'água no imenso oceano de futilidade de Hollywood. Era um ator instintivo, que interpretava com a alma, nos fazia viajar pelos conflitos e pela personalidade de suas personagens.

O auge veio com O Segredo de Brokeback Mountain, onde ele conseguiu a proeza de nos deixar na dúvida, afinal, Ennis Del Mar não parecia ser homossexual, ele se apaixonou pela pessoa Jack Twist, não pelo homem Jack Twist. O papel lhe rendeu uma indicação ao Oscar, que Ledger não ganhou. Mas a estatueta do careca dourado parecia só uma questão de tempo, com todo aquele talento e sabedoria para escolher os papéis, alguém duvidava que mais cedo ou mais tarde ele ganharia um Oscar?

Na última semana fui à uma sessão de Eu Sou a Lenda e para minha surpresa e satisfação me deparei com o trailer do novo filme do Batman, O Cavaleiro das Trevas. "Nossa! O que é isso?", eu ficava pensando ao ver Ledger na tela. Mas do que um simples vilão, o seu Coringa fez todo mundo ali esquecer da performance de Jack Nicholson no filme de Tim Burton; mais, fez todo mundo esquecer que o trailer era de um filme do Batman. A impressão que tínhamos era a de que o filme na verdade era do Coringa, e pela atuação de Ledger, não duvido muito que o seja. Que descanse em paz!